Inteligência Artificial, Jornalismo e Experiência do Cliente: Lições de Paulo Fernando Silvestre

No episódio T02EP31 do J17 Talks, o J17 Bank recebeu Paulo Fernando Silvestre para uma conversa profunda sobre reinvenção profissional, o impacto da inteligência artificial (IA) na mídia e nos negócios, governança de dados, ética e a evolução da experiência do cliente. Este artigo sintetiza as ideias centrais apresentadas, contextualiza exemplos práticos citados e oferece recomendações acionáveis para executivos, jornalistas, educadores e profissionais interessados em navegar neste momento de transformação acelerada.

Apresentação de Paulo Silvestre no estúdio do J17 Talks

Sumário

Trajetória e reinvenção: do CP500 ao LinkedIn

Paulo Silvestre entrou no universo digital já na década de 1980, quando se conectava em redes telemáticas por meio de máquinas como o CP500. A experiência precoce com tecnologia guiou sua carreira: de estudante de engenharia a repórter de ciência e tecnologia no jornal Folha, foi um dos responsáveis por colocar o veículo no ambiente online em 1995.

Essa história ilustra duas lições-chave que Paulo enfatiza: ciclos de inovação se repetem e a reinvenção profissional não é opcional. Ele lembra que, em 1995, colegas consideravam a ideia de “ir para a internet” um risco que poderia destruir uma carreira promissora no jornalismo tradicional. Entretanto, a decisão de apostar no novo foi determinante para a trajetória dele — e para o futuro da mídia.

Paulo lembrando a implantação do Folha na internet em 1995

“Os ciclos se repetem. Estudar histórias de sucesso e de dificuldade gera insights que ajudam a criar o novo.” — Paulo Silvestre

Inteligência artificial: muito além de "apenas uma ferramenta"

Para Paulo, chamar IA de “ferramenta” é redutor. IA é uma tecnologia transformadora, comparada à prensa de Gutenberg e, mais recentemente, à internet. A conversa abordou duas percepções centrais sobre a adoção de IA nas empresas:

  • Muitas organizações já experimentam IA, mas poucas colhem benefícios significativos além da automação de tarefas repetitivas.
  • O uso ideal de IA é transformar o negócio — não apenas fazê‑lo mais rápido, mas possibilitar o que antes era impensável.

Paulo cita estudos (como os de consultorias reconhecidas) mostrando que a maioria das grandes empresas já realiza iniciativas com IA, mas apenas uma pequena parcela extrai ganhos estratégicos relevantes. A explicação? Falta de conhecimento aplicado: muitos enxergam o ChatGPT como um “Google turbo” e não como uma plataforma que exige projeto, governança e integração aos processos.

Do sandbox à escala: o caminho da maturidade

O processo de maturação em IA segue um ciclo repetitivo: experimentação em sandbox, aprendizagem, formação de evangelistas internos e implantação escalável. A comparação com a adoção do Microsoft Office — que exigiu não só a tecnologia, mas treinamento e evangelismo — é usada para ilustrar que adoção tecnológica exige investimento em pessoas e cultura.

Governança, segurança de dados e riscos éticos

Paulo foi enfático ao afirmar que o maior problema não é a IA em si, mas o uso descuidado por pessoas e organizações mal preparadas. Exemplos concretos incluem empresas que submetem bases de dados sensíveis a modelos públicos de linguagem, sem governança adequada, resultando em vazamentos e riscos legais.

A discussão sobre governança aprofunda-se ao mencionar o AI Act europeu como um exemplo de abordagem orientada a risco e responsabilidade. Leis bem estruturadas classificam usos de IA por nível de risco (por exemplo, educação ou sistemas de segurança), definindo proibições e exigências de transparência — e reconhece-se que essa proposta visa equilibrar inovação e proteção social.

“Não existe boa IA se os dados forem ruins.” — Paulo Silvestre

Hipersuassão e polarização

Um ponto crítico levantado foi o conceito de hypersuasion (hipersuassão), cunhado pelo filósofo da informação Luciano Floridi. IA pode produzir conteúdos altamente personalizados a partir de dados comportamentais, vontades e medos individuais — criando mensagens direcionadas que operam além de segmentos em massa. O risco: amplificação da polarização e manipulação em escala individualizada.

Ilustração do conceito de hipersuassão e personalização extrema

IA e saúde mental: limites do uso indiscriminado

Paulo citou casos em que indivíduos fizeram “sessões” com modelos conversacionais e acabaram em situações críticas, inclusive suicídio. O problema surge quando a tecnologia assume papéis para os quais não foi validada: a IA pode reconhecer sinais de risco e recomendar busca por ajuda profissional, mas a resposta deficiente (p.ex., insistir na interação com a IA) pode reforçar comportamentos perniciosos.

General AI, superinteligência e as perguntas filosóficas

A conversa também entrou na seara filosófica: existe o debate entre inteligência artificial estreita (o que temos hoje) e a hipótese de general AI e superinteligência. Paulo explicou definições:

  • General AI: agentes capazes de combinar múltiplas capacidades, agir proativamente e exercer iniciativa.
  • Superinteligência: sistemas que superam os melhores humanos em todas as áreas do conhecimento.

Sobre riscos existenciais — exterminar ou submeter a humanidade — Paulo reconhece que é uma questão complexa, filosófica, sem resposta sólida hoje. O argumento central é prático: se um sistema chegar a ter agência moral e autonomia total, por que obedeceria aos humanos? A incerteza exige prudência pública e governança.

Jornalismo, desinformação e responsabilidade

Paulo refletiu sobre a crise de credibilidade do jornalismo: parte culpa recai sobre veículos que não se transformaram; parte, sobre grupos de poder que se beneficiam da desinformação. Ele lembrou que o combate à desinformação não é ideológico, mas histórico — regimes autoritários sempre atacaram a imprensa organizada.

“Hoje somos todos mídia; um comentário ou post constrói imagem — e essa imagem é medida e usada pelo algoritmo.” — Paulo Silvestre

Importante: liberdade de expressão é cláusula constitucional — mas anonimato e responsabilização são limites legais. Paulo enfatizou que a virtualidade não é escudo para crimes (difamação, injúria, calúnia) e que a facilidade de publicação exige consciência e responsabilidade individual e corporativa.

Comunicação e media training: todos como embaixadores

Num mundo em que “todos são mídia”, Paulo recomenda capacitação contínua em comunicação. Desde o estagiário ao CEO, qualquer pessoa ligada a uma organização pode afetar reputação. Treinamento e protocolos claros ajudam a reduzir riscos e alinhar a comunicação com governança corporativa.

Experiência do cliente (Customer Experience) e hyperpersonalização

Por fim, Paulo trouxe a visão prática sobre experiência do cliente. Embora muitas empresas declarem foco no cliente, poucas mudam efetivamente modelo de negócio e cultura. IA, quando bem aplicada, potencia o trabalho dos atendentes — não necessariamente para substituí‑los, mas para amplificar sua atuação em tempo real: análise de sentimento, detecção de intenção, sugestão de documentos e fluxos de solução.

Além disso, a tecnologia já permite hiperpersonalização não só da mensagem, mas de produtos e serviços (cores, volumes, frequência de entrega), algo viável tecnicamente e que depende da disposição da empresa em mudar processos.

Como implementar mudanças sem quebrar a operação

Paulo recomenda a abordagem “pensar grande, agir rápido, começar pequeno”: pilotar projetos com objetivo claro de impacto financeiro; manter a operação atual enquanto se prova o novo; falar a linguagem dos donos do negócio (resultados e retorno) e escalar quando houver prova de valor.

Conclusão

O recado final de Paulo Silvestre é direto: o mundo avança e é preciso mover-se junto — com consciência. A IA traz benefícios extraordinários, sobretudo em pesquisa, medicina e agricultura, mas também apresenta riscos inéditos. A resposta está em educação, governança, experimentação responsável e em políticas públicas que equilibrem inovação e proteção social.

“Você precisa apropriar-se dessas ferramentas com esforço para entender impactos positivos e negativos — e agir de forma correta.” — Paulo Silvestre

Perguntas Frequentes (FAQ)

O que é a "hipersuassão" mencionada na conversa?

Hipersuassão refere-se ao uso de IA para criar mensagens altamente personalizadas com base em desejos, medos e valores individuais. Isso vai além de segmentação tradicional e pode amplificar polarização e manipulação, exigindo respostas regulatórias e éticas.

Como as empresas devem começar projetos de IA sem arriscar recursos?

Começar por pilotos bem desenhados, com métricas claras de negócio e restrições de governança de dados. Manter a operação atual enquanto testa abordagens, demonstrar retorno e escalar gradualmente.

IA vai substituir a equipe de atendimento ao cliente?

Não necessariamente. As aplicações mais maduras atualmente aumentam a capacidade dos atendentes (assistência em tempo real, sugestão de respostas, detecção de fraudes). Substituição total ocorre em alguns casos, mas o foco recomendado é aumento de produtividade e qualidade de atendimento.

O que é mais urgente: regular IA ou inovar rapidamente?

Ambos são urgentes. Inovação traz ganhos e resolução de restrições, mas sem regulação e governança sólidos, riscos sistêmicos aumentam. Modelos como o AI Act europeu tentam equilibrar esses imperativos ao classificar usos por risco e responsabilidade.

Como quem trabalha com comunicação deve se preparar?

Desenvolver consciência de que tudo é público e mensurável; treinar em media training; integrar políticas de governança de conteúdo; e aprender a trabalhar com dados e IA para potencializar mensagens sem perder ética e transparência.

Leituras e ações recomendadas

  • Estabelecer um programa de governança de dados antes de integrar modelos de linguagem em processos críticos.
  • Investir em capacitação: workshops, cursos e evangelistas internos para promover adoção consciente.
  • Projetar pilotos com foco em métricas financeiras e satisfação do cliente para provar valor.
  • Incluir princípios éticos e de transparência em todas as iniciativas de IA.

Este resumo busca traduzir as ideias centrais apresentadas por Paulo Silvestre e pelos anfitriões do J17 Talks, oferecendo um guia prático para quem deseja agir na interseção entre tecnologia, comunicação e experiência do cliente. Mover-se é imperativo — mas mover-se conscientemente é a condição de sucesso.