Adeildo Nascimento: NR1, saúde mental e a nova cultura do trabalho

No vídeo do canal J17 Bank, José Manuel Catarino Barbosa e José Nascimento conduzem uma conversa com Adeildo Nascimento sobre a chegada da NR1 e as transformações necessárias nas empresas diante da pandemia, da era da inteligência artificial e dos novos riscos psicossomáticos no trabalho. A conversa explora por que a legislação está mudando, como a cultura organizacional deve se adaptar e quais práticas concretas podem proteger o ativo mais precioso das empresas: as pessoas.

Índice

Resumo e objetivos do debate

A discussão parte da constatação de que, assim como as indústrias sempre cuidaram de suas máquinas com manutenção preventiva e preditiva, agora é preciso cuidar das "máquinas humanas" — os colaboradores com trabalho intelectual. A proposta central é apresentar a NR1 como um marco que traz para o centro das atenções os riscos psicossomáticos, a saúde mental e a necessidade de uma nova cultura organizacional que promova bem-estar verdadeiro, engajamento e inovação.

O que é a NR1 e por que ela importa

A NR1, conforme discutido por Adeildo, surge como resposta a um movimento social e ocupacional que deslocou o dano da esfera física para a esfera mental. Enquanto normas antigas focavam em problemas de postura e lesões por esforço repetitivo (LER/RSI), as novas evidências mostram que o grande volume de afastamentos e doenças ocupacionais migrou para depressão, ansiedade e burnout.

“Saímos do RSI porque nossa postura melhorou e entramos na depressão e no burnout.”

Essa mudança é reforçada por órgãos internacionais e nacionais como a OIT, o Ministério Público do Trabalho e o próprio INSS. Além disso, existe uma tendência global: governos, em muitos casos, não conseguem mais arcar integralmente com os custos sociais, e as empresas passam a assumir maior responsabilidade sobre a saúde e segurança do trabalho.

Riscos psicossomáticos: definição e sinais

Riscos psicossomáticos são manifestações físicas decorrentes de causas emocionais ou psicológicas. Eles incluem dores, distúrbios do sono, problemas gastrointestinais, além dos transtornos mentais reconhecidos como depressão e ansiedade. No ambiente corporativo, sinais comuns são aumento do absenteísmo, queda de produtividade, rotatividade atípica e conflitos internos persistentes.

Por que bem-estar não é só cadeira confortável

Muito do que é vendido como "bem-estar" corporativo se resume a benefícios físicos ou superficiais: cadeiras ergonômicas, plantas, massagem e aulas de yoga esporádicas. Adeildo enfatiza que, embora esses itens ajudem, eles não são suficientes para proteger profissionais cujo trabalho é altamente cognitivo. Quando "o cérebro ferve", são necessárias medidas que atuem sobre ritmo de trabalho, cultura, carga cognitiva e espaço para descompressão intelectual.

“Bem-estar não é a cadeira confortável, o vasinho de planta, o horário de massagem. Tem muita coisa por trás disso.”

Exemplos efetivos envolvem reestruturação de jornadas, políticas de desligamento do trabalho fora do expediente, programas de suporte psicológico, treinamento para líderes e ambientes que permitam pensamento criativo e pausas produtivas.

Vantagens, benchmarking e o erro do 'Control C, Control V'

Tecnológicas como o Google popularizaram vantagens e espaços pensados para a criatividade — beanbags, slides, dias pet e horários livres de pensamento. Essas práticas nasceram para liberar reservas cognitivas e gerar inovação por meio do "free thinking time". No entanto, muitas empresas replicaram essas vantagens de forma superficial, sem entender o propósito cultural por trás delas.

Quando vantagens viram fim em si mesmos, sem alinhamento com a missão, valores e demandas intelectuais da função, tornam-se meramente estéticos e não resolvem problemas de saúde mental ou de engajamento. Adeildo chama isso de "benchmarking preguiçoso".

Culturas tóxicas: culto organizacional e síndrome de Estocolmo

Dois padrões culturais negativos foram destacados: o culto organizacional e a criação de “reféns” emocionais que desenvolvem síndrome de Estocolmo. No primeiro caso, líderes são transformados em gurus, criando um ambiente onde a discordância é silenciada. No segundo, colaboradores permanecem em organizações prejudiciais por necessidade financeira, conformismo ou apego emocional, sustentando práticas nocivas por longos períodos.

“A cultura pode transformar a empresa num culto. E muitas vezes metade do time vive em síndrome de Estocolmo, 15, 20 anos na mesma organização.”

Ambos os cenários comprometem a inovação — medida essencial em um mundo acelerado e competitivo. Estudos em psicologia social apontam que a inovação só floresce onde existe espaço para contradição, debate construtivo e segurança psicológica.

Moral fatigue: o esgotamento ético

O mercado nomeou outro fenômeno relevante: a "fadiga moral" (moral fatigue). Ela ocorre quando colaboradores são colocados em situações que conflitam com seus valores e visão de mundo, sem espaço para discordância ou conflito construtivo. Isso gera sofrimento, somatização e perda de sentido no trabalho.

Para evitar a fadiga moral, empresas precisam de práticas de governança e liderança que incentivem a transparência, feedback real e espaços de diálogo onde a diversidade de pensamentos seja respeitada.

Discussão sobre fadiga moral e espaço para contradição

Receitas práticas sugeridas

A conversa traz orientações simples e práticas que, quando aplicadas, podem fazer grande diferença no bem-estar dos colaboradores:

  • Organização da rotina: promover um equilíbrio entre sono, trabalho e autocuidado — a sugestão das “8 horas” (sono, trabalho, vida pessoal) como referência para uma vida equilibrada.
  • Treinamento de líderes: formar gestores capazes de lidar com conflitos construtivos e de não transformar o time num culto pessoal.
  • Visitas às áreas básicas: verificar cozinhas, banheiros e espaços comuns para entender como as pessoas estão de fato.
  • Uso da tecnologia para reduzir risco: ferramentas que diminuam carga operacional e previnam erros repetitivos.
  • Programas de saúde integral: suporte psicológico, pausas programadas, políticas claras de desconexão e promoção de práticas saudáveis.

Como implementar NR1 na prática

Implementar NR1 requer uma abordagem em camadas:

  1. Diagnóstico
  2. Definição de políticas
  3. Formação e capacitação de líderes
  4. Monitoramento de indicadores (absenteísmo, rotatividade, clima)
  5. Ajustes contínuos e comunicação transparente

Projetos de cultura organizacional bem-sucedidos começam com uma avaliação honesta do que hoje existe: identificar se há culto, hostilidade, ou práticas que geram moral fatigue. A partir daí, definir metas tangíveis e indicadores de sucesso, com participação dos empregados em todas as etapas.

Inovação e o papel das pessoas

A conversa salienta que inovar não é apenas inventar. Inovar é remover barreiras para acelerar resultados. Com a chegada de variáveis como IA e alta demanda cognitiva, empresas que não cuidarem do componente humano perderão competitividade. A cultura, portanto, torna-se um ativo estratégico que pode impulsionar crescimento ou provocar estagnação.

Conclusão

A NR1 representa uma mudança de paradigma: as normas acompanham a sociedade, e agora é a vez de regulamentar e proteger a saúde mental e os riscos psicossomáticos no trabalho. Para além da conformidade legal, empresas que entenderem e aplicarem esses princípios sairão na frente — cultivando bem-estar real, segurança psicológica, inovação e, consequentemente, melhor desempenho.

O convite final é claro: empresários e líderes devem enxergar a cultura organizacional como um serviço à sociedade. Uma boa cultura gera cidadãos melhores e organizações mais fortes. E para isso, é essencial autoconhecimento, empatia e ações concretas, não apenas aparências.

Perguntas Frequentes (FAQ)

O que muda com a NR1?

A NR1 amplia o foco da segurança e saúde no trabalho para incluir riscos psicossomáticos e saúde mental, exigindo que empregadores adotem medidas preventivas, façam diagnósticos e implementem políticas voltadas à proteção do trabalhador intelectual.

Quais são sinais de que uma empresa precisa agir?

Sinais incluem aumento do absenteísmo, queda na produtividade, rotatividade anormal, relatos de burnout, conflitos recorrentes, clima organizacional deteriorado e relatos de desrespeito aos valores pessoais dos colaboradores.

Vantagens como mesas de ping-pong resolvem problemas de saúde mental?

Não por si só. Vantagens têm valor quando estão alinhados a uma cultura que entende o propósito dessas práticas. Sem políticas sólidas, apoio psicológico e liderança adequada, benefícios superficiais não tratam as causas do sofrimento no trabalho.

Como medir se as ações estão funcionando?

Monitorar indicadores como índices de absenteísmo, taxas de turnover, resultados de pesquisas de clima, uso de benefícios de saúde mental e relatos qualitativos em avaliações de desempenho e feedbacks regulares.

O que líderes precisam desenvolver primeiro?

Líderes devem desenvolver escuta ativa, capacidade de lidar com conflitos construtivos, empatia, habilidade para identificar sinais de desgaste e competência para fomentar segurança psicológica no time.

Qual é o papel da inovação nesse contexto?

Inovação depende de ambientes que permitam contradição, teste de ideias e liberdade para falhar. Culturas que reprimem divergência ou criam hostilidade sufocam a criatividade, impedindo que a empresa se adapte a novas variáveis como a IA.

Encerramento e convite à reflexão sobre cultura organizacional